Marvão - Nos trilhos do contrabandoO Percurso do Contrabando Romântico do Café faz-se no concelho de Marvão, Alentejo. O passeio pela Serra de São Mamede recorda histórias dos tempos em que as fronteiras eram controladas por guardas-fiscais e os bens essenciais escasseavam, quer em Portugal, quer em Espanha. A Serra de São Mamede é o cenário desta homenagem aos contrabandistas, sobretudo de café, devido à indústria de torrefacção que então existia em Marvão.
Sara Pelicano | sábado, 24 de Julho de 2010
«Carabineros». «Carabineros». Um grito surdo entre a vegetação da Serra de São Mamede, Alentejo, alerta para a presença da guarda-fiscal. O grupo de contrabandistas separa-se e cada um tenta a sua sorte ludibriando os guardas, tentando chegar a bom porto com a mercadoria que carrega. É na escuridão da noite que os homens das aldeias da raia alentejana partem rumo a Espanha. Nas costas carregam, essencialmente, café, produto que escasseia do outro lado da fronteira. O regresso, feito na mesma noite da partida, faz-se com o que em terras lusas escasseia, ou não há. O contrabando foi um sustento adicional, ou mesmo único, para muitas famílias durante gerações, agora é motivo de percurso turístico, organizado pela Câmara Municipal de Marvão.
José Cristino, 73 anos, conta, emotivo, a vida de contrabandista. «Fiz isto toda a minha vida. Tinha um patrão que encomendava a mercadoria para trazer de Espanha». Encontramo-nos com José em La Fontañera. Na entrada da aldeia dois marcos brancos no chão delimitam a fronteira. O responsável pela organização do Percurso do Contrabando Romântico do Café, António Garreio, afirma que aquela aldeia espanhola terá O contrabando está intimamente ligado a histórias de vida difíceis. Os bens essenciais escasseava, assim como o trabalho. Esta troca de mercadorias permitia a sobrevivência de famílias inteiras. «Eram tempos muito difíceis. Numa noite fazíamos cem ou mais quilómetros para ir a Espanha e voltar», vai contando José Cristino. O medo de ser apanhado pela guarda-fiscal era uma constante. Os «carabineros» como também eram conhecidos «escondiam-se muitas vezes entre a vegetação da serra e depois saiam do esconderijo quando passávamos», comenta José Cristino, com os olhos brilhantes pela recordação. «Eu nunca fui apanhado, mas tive amigos que foram», acrescenta. O truque do contrabandista aqui era separar-se do grupo e tentar salvar-se, a si e à mercadoria. «Algumas vezes os guardas atiravam a matar. Mas sobretudo apreendiam a mercadoria», sublinha o nosso contrabandista. As histórias de contrabando repetem-se ao longo de toda a raia portuguesa. Nestas terras do Alto Alentejo a dureza do terreno torna-as mais difíceis. O percurso que agora se inaugura e que faz uma homenagem aos A paisagem faz-se com uma vegetação variada, salpicada pelos tons cinzentos das pedras da Serra de São Mamede. A vila fortificada de Marvão, no alto dos seus 800 metros, é presença constante. Por sua vez o rio Sever é corrente refrescante e também mote a muitas histórias. «Quantas vezes não ficámos aqui, junto ao rio, à espera que baixasse para podermos passar. Não podíamos ter ajudas nenhumas no rio, senão os guardas identificavam os trilhos e aí estávamos tramados», diz José Cristino enquanto recupera a energia da juventude para calcorrear o terreno acentuado da serra. José Cristino repara nas horas. O Sol começa a esconder-se por detrás do pico que sustenta a vila de Marvão. Comenta que tem de ir, a mulher espera-o para jantar. Regressamos à vila de La Fontañera. É emocionado pela oportunidade de poder contar a sua história de vida que se despede. Guarda saudades desses tempos? «Era novo, mas foram tempos muito difíceis, muito difíceis. Não tenho saudades», remata José Cristino. As fronteiras portuguesas e espanhola ficaram abertas em 1986, com a entrada destes dois países na União Europeia. |
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