ALENTEJO REVISITADO
Ele queria ser sinónimo de Alentejo velho
...
Foi-lhe dito que a urze quando nasce
É o lápis que risca a roxo a linha do montado
E divide em horizonte o Céu e o resto do mundo;
Foi-lhe dito que a geografia duma azinheira
Termina em cabelos de fogo e que seus braços
Espreguiçados ao calor são o descanso da terra
Falaram-lhe que as ribeiras soltas tinham vida
E que cada gota cheirava a suor e lágrimas
Presas à lâmina pujante duma enxada na semente;
Alguém lhe disse que os riachos eram de sabão
E que emanavam cânticos de mulheres selvagens
Protegendo
Contaram-lhe que as tardes eram só os dias longos
Enrolados no vento maestro das searas espigadas
Ó à espera do ouro para alimentarem os alforges;
Disseram-lhe que os açudes do rio eram o sisal
Duma ceifeira quase morta pelo cansaço
Foi-lhe dito que os espinhos da esteva são aves
E deles brotam flores alvas formando as paredes
Das moradas plantadas no meio do caminho;
Foi-lhe dito que à planície menstruada de papoilas
Se chamava sangue quente no barro ao lume
Misturado com pobreza e cheiro a poejo pisado
Falaram-lhe que nos montados se corre descalço
E que dos pés brotam os beijos quentes da lavra
Debulhando a canção analfabeta das planícies;
Contaram-lhe que do entendimento das estações
Se acalentam as monções da eira e do vento sul
Com a esperança de uma meia sardinha no pão
Disseram-lhe das mãos que se entrelaçam no frio
E que das palavras entreabertas no postigo
Sobra o odor a infusas de chuva e pés de hortelã;
E das gargantas dos frutos nascidos vive o quebranto
Tragado no cucharro que partilha a lavoura de cem
Alguém lhe disse que as camisas de preto eram véus
E os chapéus o respeito pela cara caiada de Deus
Que das feridas da terra protegia a fome do povo;
Foi-lhe dito que o passado não retorna nos calos das mãos
Que o velho se tornou saudade na charneca do sonho
E que de Alentejo só a memória de quem já viveu tudo.
Ele queria ser sinónimo de Alentejo velho
...
Foi-lhe dito que a urze quando nasce
É o lápis que risca a roxo a linha do montado
E divide em horizonte o Céu e o resto do mundo;
Foi-lhe dito que a geografia duma azinheira
Termina em cabelos de fogo e que seus braços
Espreguiçados ao calor são o descanso da terra
Falaram-lhe que as ribeiras soltas tinham vida
E que cada gota cheirava a suor e lágrimas
Presas à lâmina pujante duma enxada na semente;
Alguém lhe disse que os riachos eram de sabão
E que emanavam cânticos de mulheres selvagens
Protegendo
Contaram-lhe que as tardes eram só os dias longos
Enrolados no vento maestro das searas espigadas
Ó à espera do ouro para alimentarem os alforges;
Disseram-lhe que os açudes do rio eram o sisal
Duma ceifeira quase morta pelo cansaço
Foi-lhe dito que os espinhos da esteva são aves
E deles brotam flores alvas formando as paredes
Das moradas plantadas no meio do caminho;
Foi-lhe dito que à planície menstruada de papoilas
Se chamava sangue quente no barro ao lume
Misturado com pobreza e cheiro a poejo pisado
Falaram-lhe que nos montados se corre descalço
E que dos pés brotam os beijos quentes da lavra
Debulhando a canção analfabeta das planícies;
Contaram-lhe que do entendimento das estações
Se acalentam as monções da eira e do vento sul
Com a esperança de uma meia sardinha no pão
Disseram-lhe das mãos que se entrelaçam no frio
E que das palavras entreabertas no postigo
Sobra o odor a infusas de chuva e pés de hortelã;
E das gargantas dos frutos nascidos vive o quebranto
Tragado no cucharro que partilha a lavoura de cem
Alguém lhe disse que as camisas de preto eram véus
E os chapéus o respeito pela cara caiada de Deus
Que das feridas da terra protegia a fome do povo;
Foi-lhe dito que o passado não retorna nos calos das mãos
Que o velho se tornou saudade na charneca do sonho
E que de Alentejo só a memória de quem já viveu tudo.
Rita Beja ( Antologias de escrritas nº 3 )