quarta-feira, 8 de outubro de 2014

OS MONTES TAMBÉM MORREM





O Monte pertence á minha familia há quatro ou cinco gerações e sobretudo as primeiras três gerações tiveram uma dinâmica evolutiva muito própria, com tudo aquilo que era respeito pela natureza.

O meu avô e o meu pai faziam isso. Antes de pôr uma parelha de mulas na terra, andava um rancho de mulheres á frente a marcar as azinheiras. Porque eles sabiam a importância disso, eles sabiam que para ter boas colheitas tinham de ter muitos seres vivos aqui. 
Viam a terra como "Gaia", um organismo vivo.  E isto é fundamental, se isso não entrar na cabeça das pessoas, ninguém vai conseguir mudar nada...
Quando começam a vir os quimicos e as máquinas, na geração do meu pai e do meu tio, a partir daí há uma mudança muito rápida. 
E aí tiveram de arrancar árvores que foram protegidas com muito carinho durante tanto tempo, porque a máquina não passa por baixo, começaram a despedir pessoal e a criar uma dinâmica diferente:
O Monte era um núcleo urbano, vivo. Onde viviam as pessoas, onde regressavam á noite, se alimentavam, onde produziam a sua própria comida. Com todos os falhanços, eram comunidades muito vivas.
Havia uma discripância muito grande do ponto de vista material, no fundo havia uma familia que era a dona maior do bolo e as outras muitas vezes viviam mal, dependendo de casas para casas, uns mais tiranos, outros menos... mas a verdade é que eram estruturas sociais colectivas vivas e dinâmicas...
Depois, quando começaram a despedir gente, os donos das terras acabaram sózinhos. O Monte despovou-se...
A estrutura social morreu completamente, a alma do sitio perdeu-se para sempre...

Excerto do texto do compadre Zé Pedro, do Monte do Carvalheiro (Ferreira do Alentejo), publicado na Revista Alambique em NOV 2009.