segunda-feira, 6 de outubro de 2014

VAMOS Ó BAIHO ?



Nos anos 50 do passado século, Entradas registava o seu maior crescimento demográfico, havia por essa altura perto de 2000 pessoas a residirem por estas bandas.
As famílias eram invariavelmente numerosas e a vila transbordava de juventude. A maioria destas famílias tinha na sua prole 4, 5 ou mais filhos para sustentar, tarefa difícil de levar a cabo em terra de paupérrimos recursos e onde os trabalhos eram quase sempre de carácter sazonal, logo, com largos períodos de carência onde a imaginação era levada ao limite para alimentar tanta boca ávida de pão.
Os moços e moças assim que ganhavam corpo eram encaminhados para trabalhos que não eram proporcionais às suas fracas figuras. No entanto, e como é próprio da juventude, a diversão e o catrapisco namorativo, davam-lhe ânimo para depois de longas jornadas de trabalho, ainda irem arrastar os pés cansados nos bailes tradicionais que por aqui se realizavam. Estes bailes eram realizados em casas particulares com duas intenções: uma para aconchegar o parco orçamento familiar através das entradas e das vendas de petiscos, outros com uma intenção mais hábil que consistia em “ fazer solo” ou seja; como o chão das casas era em terra batida, estes ocasionais “ balhos” serviam para calcar o chão da divisão pretendida, matando-se assim, dois coelhos de uma só cajadada.
Nesse tempo haviam dois bailes com garantia de casa cheia, eram os “ balhos da Patanisca” e os “ balhos da Torradinha” assim conhecidos, porque durante o serão dançante havia um convite formal ao consumo, aqui chamado de “ garvanço” que consistia em comer pataniscas, ou torradinhas consoante o organizador da função.
Como a electricidade ainda era coisa de que nem se ainda ouvira por aqui falar, a “ balhação” era feita à luz de candeeiro a petróleo, o que presumo que daria ao ambiente um certo toque romântico, propicio à troca de olhares mais cúmplices ou ao jogo das sombras decalcadas nas paredes. Quando não havia flautista, ou acordeonista, os bailes eram cantados, ou seja; bailava-se, ria-se e cantava-se ao mesmo tempo, e segundo testemunho dos que me são próximos, a diversão não deixava de estar garantida por tão importante falha.
Por esse tempo, moço que se prezasse trazia nos bolsos dois objectos importantes, navalha e “ flaita”. Navalha porque faz parte da indumentária de qualquer alentejano que se preze, e “flaita” para animar musicalmente bailes ou mesmo outros períodos de ócio, nomeadamente na pastorícia onde o tempo abunda e o bulício da solidão convidam ao pincelar de sons a paisagem transtagana.
Por essa altura havia em Entradas um acordeonista de três acordes, de seu nome Manuel do Carmo, que animava os “ balhos” de então. Este músico taberneiro, percursor da música brejeira hoje tão em voga, vincava no fole do seu instrumento letras que ainda hoje em Entradas são recordadas e de que vos deixo breve exemplo, para que possam aquilatar da veia poética deste taberneiro, músico e poeta:


Minha sogra é forneira
Meu sogro vai à lenha


Minha vaca já pariu
E a minha mulher está prenha