Estamos no fim do mês de Junho e o dia amanheceu quente. Na planície, não se vê uma árvore que faça sombra na imensidão das searas a perder de vista; desde o nascer do sol que o rancho da ceifa labuta de corpos vergados sobre a terra, sempre na mesma cadência: a cada dois lances o ceifeiro faz o mantulho, com mais dois lances pousa a mancheia, que o atador vai juntando até encher o atilho, e com duas joelhadas aperta o molho e faz o “ferrolho”. Por volta das nove horas, vem o almoço, numas marmitas de esmalte dentro de um alforge ao lombo de uma muar. O manajeiro dá ordem para ir à bucha e os ceifeiros lá podem descansar, enquanto comem as sopas de batata – com o pique de toucinho frito para tirar gordura e para temperar as sopas. Mal acabam de comer, logo se ouve a voz do manajeiro: “Vá arriba, que temos que ir fazer qualquer coisa ao homem” e lá voltam de novo os ceifeiros à sua triste sina de juntar com as duas mãos o que outros espalharam com uma. O Sol, cada vez mais alto e mais quente, parece querer incendiar os corpos cansados, secando o suor que vai formando cristais de sal nas costas das camisas. É meio-dia pelo Sol, e o manajeiro dá ordem de largar para o jantar; agora o rancho tem hora e meia para comer e descansar. Mas que descanso: o Sol parece um braseiro e sombra não há… só resta comer o jantar de grãos com chanfana à torreira do Sol, com algum mais bem governado armando o sombreiro para conseguir algum conforto enquanto “engole as sopas”, outros vão juntando alguns molhos para tentar fazer uma pequena sombra sob a qual possam endireitar a espinha; outos sem sombra esperam que depressa se passe esta hora para começar a trabalhar e refrescar o corpo com o seu suor… Ah, planície alentejana, a tua paz e quietude é feita de suor e lagrimas.
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domingo, 20 de janeiro de 2013
Retrato escrito da planície há 60 anos atrás
Estamos no fim do mês de Junho e o dia amanheceu quente. Na planície, não se vê uma árvore que faça sombra na imensidão das searas a perder de vista; desde o nascer do sol que o rancho da ceifa labuta de corpos vergados sobre a terra, sempre na mesma cadência: a cada dois lances o ceifeiro faz o mantulho, com mais dois lances pousa a mancheia, que o atador vai juntando até encher o atilho, e com duas joelhadas aperta o molho e faz o “ferrolho”. Por volta das nove horas, vem o almoço, numas marmitas de esmalte dentro de um alforge ao lombo de uma muar. O manajeiro dá ordem para ir à bucha e os ceifeiros lá podem descansar, enquanto comem as sopas de batata – com o pique de toucinho frito para tirar gordura e para temperar as sopas. Mal acabam de comer, logo se ouve a voz do manajeiro: “Vá arriba, que temos que ir fazer qualquer coisa ao homem” e lá voltam de novo os ceifeiros à sua triste sina de juntar com as duas mãos o que outros espalharam com uma. O Sol, cada vez mais alto e mais quente, parece querer incendiar os corpos cansados, secando o suor que vai formando cristais de sal nas costas das camisas. É meio-dia pelo Sol, e o manajeiro dá ordem de largar para o jantar; agora o rancho tem hora e meia para comer e descansar. Mas que descanso: o Sol parece um braseiro e sombra não há… só resta comer o jantar de grãos com chanfana à torreira do Sol, com algum mais bem governado armando o sombreiro para conseguir algum conforto enquanto “engole as sopas”, outros vão juntando alguns molhos para tentar fazer uma pequena sombra sob a qual possam endireitar a espinha; outos sem sombra esperam que depressa se passe esta hora para começar a trabalhar e refrescar o corpo com o seu suor… Ah, planície alentejana, a tua paz e quietude é feita de suor e lagrimas.